Tenha sucesso: seja escolhido(a).
Nas gôndolas do supermercado humano, colocamos versões fragmentadas de nossos pedaços em prateleiras diversas: do amor, da profissão, das amizades, da família – e isso é só para começar, porque tem prateleira à beça.
Na esperança de provar que temos valor, nos montamos de acordo com o que é pedido. As exigências do mercado mudam com os ciclos, mas uma demanda em comum chega sempre como um grito: “seja a sua melhor versão”.
Se não vem com o melhor, nem adianta tentar – nem na prateleira você consegue um lugar.
Junto aos restos você vai ficar, jogado em um canto qualquer. E não adianta gritar ou chorar, tá? Até o seu código de barras está danificado, ninguém vai te comprar.
Insistem sempre na “melhor versão” – “melhor versão” pra quem, meu irmão?
Você viu a versão atualizada do produto queridinho dos caras? Ela se chama “mulher moderna”: trabalha fora sim, mas sua jornada é eterna. Cuida da carreira, do corpo, da casa, dos filhos, da vida social, do marido. A lista só aumenta, se eu continuar escrevendo atinjo o limite de caracteres – 2.040.
Tem também um super lançamento na área: o indivíduo-empresa. Com seu CNPJ estampado na caixa, ele garante ao seu empregador que não haverá surpresas. Férias remuneradas, licença disso, licença daquilo, aposentadoria, direitos? Ora, mas que coisa mais demodê, esses conceitos. O indivíduo-empresa promete e entrega: sua energia vital em troca de um vale-iFood de 50 reais no seu aniversário – parabéns, é seu, pega!
Nos vendem a ideia da melhor versão para alimentar nossa insatisfação, para corrermos feito hamsters em uma apertada prisão.
Quem dita o valor do mercado? Quem mede a qualidade dos produtos? Quem garante que na prateleira chegue a “melhor versão”?
Não, não é o magnata e nem o bicho-papão.
É você.
A narrativa construída por quem está no topo da hierarquia do poder é tão refinada que eles conseguem inverter a ordem do rolê.
As consequências de tentar atender à demandas impossíveis vêm – ansiedade, depressão, pânico, burnout, vício, compulsão –, e quando elas chegam com força, tomando cada centímetro do nosso corpo e coração, os mantenedores do poder olham para os nossos cacos e dizem, sem temer:
“Mas ninguém nunca falou nada disso! Quem fez a escolha não foi a gente, foi você!
E mais uma vez, nos vemos fragmentados. E mais uma vez, pegamos nossos pedaços e partimos em busca da “melhor versão”. E mais uma vez, partimos para a eterna missão – ter sucesso, ser escolhido(a).
(Se eu já era brega, agora sou brega e meio. Não era pra sair rimado, mas saiu, uai. Não posso fazer nada).
Só li verdades